INTRODUÇÃO
O Ano de 2010 foi marcado por inúmeras tragédias envolvendo a natureza. Desde os primeiros dias do ano notícias sobre enchentes, terremotos, erupções vulcânicas e os mais variados tipos de devastações naturais ocuparam a mídia e despertaram os mais divergentes tipos de pensamento. Houve quem apressadamente, sem uma reflexão biblicamente orientada, saísse responsabilizando Deus por tudo o que aconteceu, mas também houve quem acreditasse que tudo não passava de uma simples movimentação da natureza.
Diante disso nos debruçamos sobre um tema atual, crendo que podemos oferecer uma contribuição a partir de uma cosmovisão bíblico-reformada. Assim, escrevemos sobre o tema: Os Juízos Parciais de Deus nos Elementos da Natureza. Aqui devemos ressaltar que por juízos parciais não estamos dizendo acerca de uma possível parcialidade de Deus em relação ao mal e a sentença sobre ele, mas apenas diferenciando este ato judicial daquele que, conforme o ensino das Escrituras definimos como o juízo final de Deus.
Inicialmente procuraremos observar as primeiras relações desta matéria nos efeitos da queda sobre a criação e, depois, buscaremos estabelecer a relação entre o decreto, o juízo e a providência de Deus. Só então, consideraremos alguns exemplos bíblicos que revelam o controle de Deus nos elementos da natureza como instrumentos de manifestação do seu juízo.
Como as Escrituras nos asseguram que ainda sobrevirão nos últimos dias terremotos e pestes, a pesquisa sobre este tema deve ser alvo de atenção da igreja dos nossos dias. Assim, não pretendemos ser pragmáticos em nossa análise sobre das tragédias que nos cercam, nem céticos diante do que Deus está nos dizendo.
Deste modo adentramos no tema na certeza de que uma visão orientada pelas Escrituras nos fornecerá um alicerce seguro para a discussão do assunto.
1. MANIFESTAÇÕES DO JUÍZO DE DEUS NA QUEDA
Antes de discutir os efeitos da queda na natureza e, principalmente, a manifestação dos juízos parciais de Deus nos elementos da natureza, devemos lembrar que a criação, de forma geral, foi afetada pelo pecado. Deste modo, não é completamente ilógico pensarmos em manifestações de juízo através de elementos da natureza. Então, precisamos considerar as questões relativas à manifestação do juízo de Deus na queda, mais especificamente no que concerne a criação ou a outros elementos da natureza além do homem.
Assim, uma das informações mais importantes sobre a criação conforme o registro de Gênesis, diz respeito ao seu estado depois de Deus terminar a criação. A cada momento do seu ato criador, e especialmente no final dele, Deus observava a perfeição de toda a sua obra. Ele mesmo declarou que tudo era bom e, depois, muito bom, cf. Gn. 1.31. Não obstante, este estado de perfeição durou até que o pecado passasse também ao mundo dos homens. A partir daí, a própria criação começou a vivenciar alguns desajustes, que sinalizam a primeira manifestação do juízo de Deus através de elementos da natureza, pois a terra passou a produzir cardos e abrolhos, cf. Gn. 3.18.
Berkhof discorre sobre esta questão quando ele trata da punição do pecado na sua teologia sistemática. Ao falar, especialmente, sobre a punição do pecado ele diz:
... toda a criação ficou sujeita à vaidade e à escravidão da corrupção. Especialmente os evolucionistas nos ensinaram a ver a natureza “rubra (de sangue) nas garras e nos dentes”. Muitas vezes as forças destruidoras são liberadas causando terremotos, ciclones, tornados, erupções vulcânicas e inundações que trazem indescritível miséria à humanidade. Pois bem, há muitos, principalmente em nossos dias, que não vêem a mão de Deus nisso tudo e não consideram essas calamidades como parte da penalidade do pecado. E, todavia, é exatamente o que elas são, num sentido geral. Contudo, não será seguro particularizar e interpretá-las como punições especiais por graves pecados cometidos pelos que vivem nas áreas atingidas. Tampouco será prudente ridicularizar a idéia de que essa relação existiu no caso das cidades da planície (Sodoma e Gomorra), que foram destruídas pelo fogo do céu. Devemos ter sempre em mente que há uma responsabilidade coletiva, e que sempre há motivos suficientes para Deus visitar cidades, regiões ou países com calamidades medonhas.
Sua fala deixa claro o conceito de que a partir do pecado os elementos da natureza podem ser parte do juízo parcial de Deus sobre o homem.
Na mesma linha de raciocínio Lloyd Jones argumenta sobre os efeitos da queda dizendo que:
A própria terra foi amaldiçoada - surgiram os espinhos e cardos. Não havia nenhum antes. O homem não tinha problemas com espinhos e cardos. No entanto, agora isso passa a ser uma parte da punição, e todos somos conscientes disso.
Perceba que o texto de Lloyd Jones fala sobre uma punição que vem sobre o homem a partir dos efeitos do pecado na criação. Esses efeitos sinalizam os desajustes da natureza, que presenciamos em nossos dias e também nos prepararam para entender como elementos de uma natureza desajustada pelo pecado podem fazer parte dos instrumentos punitivos de Deus.
Ao comentar sobre os efeitos da queda para o homem, Gerard Van Groningen faz algumas afirmações interessantes:
Seu trabalho (Adão) não seria uma maldição; sofrimento e frustração no seu trabalho, sim. Vários termos tem sido usados para descrever o que Yahweh disse: labuta dolorosa, suor, espinhos e cardos (em lugar da planta da vida apropriada para o alimento), e um retorno ao pó, i.e., a morte física e a deterioração do corpo. Debaixo desta maldição sobre o solo, Adão não deveria esperar uma resposta pronta aos seus esforços. Sua existência física temporária continuada deveria depender de uma terra hostil e refratária. Mas essa maldição sobre o solo deve ser considerada mitigada, pois Adão não seria separado completa e imediatamente do seu lugar de trabalho e fonte de sustento. Ambos, ele e o solo continuariam juntos, mas nessa proximidade existiria muito desapontamento, frustração, dor e destruição. As Escrituras nos informam que o próprio cosmos criado reagiria com dor e gemidos à maldição (Rm. 8.22). Também, enfatiza que as pessoas experimentariam evidências trágicas da maldição, particularmente quando quebrassem o pacto com Yahweh; Moisés avisou que no curso da história a maldição seria executada em forma de secas, penúrias e doenças (Dt. 28.15-24).
No argumento de Van Groningen fica ainda mais evidente a relação entre a queda e a manifestação dos juízos parciais de Deus nos elementos da natureza. Perceba que ele relaciona os males com a queda e se vale de Moisés para afirmar que então, secas, penúrias e doenças viriam sobre o mundo.
Estes conceitos tem encontrado eco entre teólogos brasileiros também, como por exemplo o livro “Razão da Esperança – Teologia para hoje”, de Leandro Antônio de Lima, que traz num capítulo intitulado “A queda: a mãe das tragédias” a seguinte conclusão:
Todas as tragédias do mundo, toda violência e corrupção do homem e da natureza são consequências do pecado. E o pecado gera ainda mais tragédias, violência e corrupção. De fato, o pecado é tanto causa quanto resultado da miséria humana”. Toda miséria começou com ele, e agora o homem não consegue exterminá-lo, pois ele origina a miséria e se origina dela; isso se torna um círculo vicioso, bem como mostra que a escolha de Adão foi uma má escolha.
Deste modo nossa argumentação caminha para a idéia de que mesmo que possamos pensar nos desastres naturais como resultado dos desajustes provocados pela queda, não podemos vê-los como simples consequências indiretas, mas como ações punitivas de Deus em razão do pecado.
Essa idéia de que os sofrimentos, no nosso caso especificamente os da ordem dos desastres naturais, são ações punitivas de Deus contra o pecado, é sutilmente defendida pela Confissão de Fé de Westminster, um importante documento de tradição reformada, que diz:
Todo pecado, tanto original como atual, sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrário, torna culpado o pecador, em sua própria natureza, e, por essa culpa está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e, portanto, sujeito à morte, com todas as misérias espirituais, temporais e eternas.
Quando a CFW fala sobre as misérias espirituais, temporais e eternas, como expressão da ira de Deus, ela deixa implícita, mas certa, a idéia de que os males naturais também são resultado do pecado original, portanto, da queda. Assim, a causa última dos males é a queda e neste contexto Deus está manifestando o seu juízo.
Com este capítulo argumentamos que os chamados efeitos do pecado também podem e devem ser vistos como manifestações parciais do juízo de Deus contra o pecado. Perceber esta primeira relação é de extrema importância para a fundamentação que virá a seguir.
2. A RELAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE O DECRETO, OS JUÍZOS E A PROVIDÊNCIA
Embora esta abordagem seja mais ampla ela é extremamente necessária para o construção do pensamento sobre os juízos parciais de Deus como elementos de manifestação da sua justiça. Se não estabeleceremos esta conexão nosso trabalho ficará limitado pela apresentação de exemplos bíblicos sem uma conexão teológica plausível. Desta maneira devemos lembrar o que são os decretos e como ele se relacionam com o juízo e a providência divina.
Assim, lembramos que os decretos de Deus revelam a sua soberania e seu senhorio sobre a história. Providencialmente ele governa todas as coisas de tal forma que o seu plano sempre é executado e sua vontade é sempre satisfeita. Deste modo nos preparamos para entender uma relação necessária e íntima entre o decreto de Deus, a sua providência e os juízos que ele executa.
A análise deste tema é justificada pela certeza, provinda das Escrituras, de que não existem males gratuitos. Portanto, nos preocupamos com o devido entendimento dos decretos divinos.
A. Hodge, define os decretos da seguinte forma:
O decreto de Deus é Seu propósito soberano, eterno, imutável, santo e sábio, abrangendo ao mesmo tempo todas as coisas que existiram, existem agora e em qualquer tempo existirão, com suas causas, condições, sucessões e relações, e determinando sua futurição certa. Nós, em consequência da limitação das nossas faculdades, concebemos as diversas partes desse propósito único e eterno sob aspectos diversos e em relações lógicas, e por isso o chamamos DECRETOS.
Quando entendemos que até mesmo as contingências são objetos do decreto divino, vislumbramos então os laços necessários entre todos os eventos da história, os juízos de Deus, quer sejam parciais ou final, e a doutrina da providência. Não obstante, ainda devemos lembrar que a própria Confissão de Fé de Westminster fala sobre contingências de causas secundárias estabelecidas , dando-nos a idéia de que até mesmo os meios para se chegar a um fim determinado são objetos do decreto divino.
Sobre isso também lemos em “A Providência e sua Realização Histórica”: Todas as coisas que acontecem em nossa história são o produto de um plano previamente elaborado por Deus. Mais adiante, na mesma obra encontramos o desenvolvimento da idéia de uma relação entre o decreto e a providência:
Todas as obras providenciais de Deus na vida do mundo e de seus habitantes são produto do decreto eterno de Deus, que é plano de Deus para a totalidade da sua criação. Todas as coisas que acontecem na história do mundo, das nações e dos indivíduos são o produto deste mesmo decreto.
Contudo, nossa proposta ainda é mais específica: Como ver os juízos parciais de Deus nos elementos da natureza?
A argumentação precedente mostra que não é possível dissociar todos os eventos da história do decreto divino. A partir daqui observaremos mais especificamente como relacionar os desastres naturais, por exemplo, com a manifestação do juízo parcial de Deus.
O Dr. Héber Campos escrevendo sobre a Retribuição Por Meio de Fenômenos Naturais, declara:
O princípio geral da retribuição divina através dos fenômenos da natureza tem sua base numa verdade bíblica do Antigo Testamento que está repetida com todas as letras em Gálatas 6.7 – “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará”. Esse é o princípio geral que é ilustrado de muitas maneiras na Escritura. Os desobedientes sempre haverão de colher a ira divina através de privações decorrentes da semeadura do mal.
O profeta Oséias trabalha com o mesmo princípio na sua profecia. Afinal de contas, ele entendia da matéria, porque era um lavrador. Veja o seu ensino:
Os 8.7 – “Porque semeiam ventos, e segarão tormentas: não haverá seara; a erva não dará farinha; e se a der, comê-la-ão os estrangeiros.”
O povo de Israel havia transgredido o pacto de Deus (v.1). No entanto, o povo alegava ter conhecimento de Deus (v.2), o que tornava a situação deles ainda mais culposa. Eles procederam como se não houvesse Deus. Eles fizeram as suas próprias leis, estabeleceram reis e príncipes, cometeram o pecado da idolatria (v.4-6). Estavam semeando ventos e haveriam de colher tempestades (v.7). O que aconteceria com eles? Deus iria usar a natureza para puni-los severamente. Eles haveriam de passar fome: não mais colheita. Se alguma coisa a terra produzisse, eles mesmos não haveriam de provar, mas os estrangeiros, os inimigos (v.7). A conseqüência da privação foi que Israel foi devorada (v.8). Em outras palavras, a economia de Israel foi à bancarrota. Israel ficou falida e tornou-se presa para os inimigos.
Além desse exemplo textual, há muitos outros onde Deus traz males físicos sobre o povo através de terremotos, enchentes, secas, pestes nas plantas, pragas de animais, etc. A natureza é um instrumento divino para a execução da sua providência retributiva.
Calvino, numa linha de argumentação similar, chega a afirmar que nada é fruto do acaso, tudo está sob o controle da providência de Deus, inclusive os fatos que ele denomina como naturais.
Afirmo ainda que os eventos particulares são, em geral, testemunhos da providência especial de Deus. Este suscitou no deserto um vento sul que levasse ao povo abundância de aves [Ex 16.13; Nm 11.31]. Quando quis que Jonas fosse lançado ao mar, enviou um vento, suscitando para isso um furacão [Jn 1.4, 6]. Os que não crêem que Deus sustenta o leme do universo dirão que isso se processou fora do curso natural das coisas. Daí, porém, concluo que vento algum jamais surge ou se desencadeia a não ser por determinação especial de Deus.
Ainda mais adiante Calvino segue argumentando como seria impróprio pensar que Deus não executa sua providência através dos elementos da natureza, nos seguintes termos:
Aliás, nem doutra sorte seria isto verdadeiro: que aos ventos faz seus mensageiros, e ao fogo flamejante, seus ministros; que faz das nuvens suas carruagens e cavalga sobre as asas dos ventos [Sl 104.3, 4]; a não ser que, por seu arbítrio, revolvesse tanto as nuvens quanto os ventos e neles manifestasse a presença especial de seu poder. Assim também, em outro luar [Sl 107.25, 29], se nos ensina que, sempre que ao sopro dos ventos referve o mar, essas agitações atestam a presença especial de Deus; que ele ordena e suscita o alento da procela e ao alto eleva as vagas do oceano; então, faz quedar-se em silêncio a tempestade para que cessem as ondas para os que navegam; assim como declara em outra parte [Am 4.9; Ag 1.11] que flagelara o povo com ventos candentes.
Perceba que a argumentação do teólogo francês é a de que todas as coisas estão sob o controle soberano e providencial do Senhor.
Contudo, em função das diferentes cosmovisões religiosas, crer que Deus executa juízos parciais através de elementos da natureza tem sido um grande desafio para muitos.
Mesmo no meio do povo de Deus, nem sempre foi tão tranquilo entender que Ele governa também no meio dos desastres.
Cheung observa que desde os tempos do profeta Miquéias o povo não conseguia observar a realidade deste instrumento punitivo como uma obra da providência de Deus. Deste modo, Cheung registra: Como nos dias de Miquéias, elas ainda dizem: “A desgraça não nos alcançará. O Espírito do Senhor perdeu a paciência? É assim que ele age?” . Contudo, sabemos que negar este expediente divino é fechar os olhos para a clareza da revelação bíblica.
Retomamos aqui então a argumentação de João Calvino, que diz:
Ademais, transparecerá de notável exemplo como, pelo freio de sua providência, Deus verga todos os eventos para qualquer parte que o queira. Eis que, no preciso instante em que Davi foi encurralado no deserto de Maom, os filisteus fazem uma incursão na terra: Saul é obrigado a bater em retirada [1Sm 3.26, 27]. Se Deus, querendo garantir a segurança de seu servo, lançou este obstáculo diante de Saul, por certo que, embora de repente, além da expectação dos homens, os filisteus tomaram armas, não diremos, entretanto, ter sido isso feito pelo acaso; pelo contrário, o que nos parece contingência, a fé reconhecerá haver sido ordenação secreta de Deus.
Contudo, reconhecemos que nem todos alcançam esse pensamento.
Assim, outro problema que temos de enfrentar é o dualismo que tenta atribuir estas catástrofes ao diabo, como se ele fosse uma força opositora aos propósitos divinos na qualidade de um “deus”. São inúmeros os defensores desse posicionamento, principalmente os de linha teológica neo-pentecostal.
Também não é raro encontrarmos uma teodicéia que não seja biblicamente orientada. Muitos argumentam que não é possível que Deus esteja por detrás de alguns males. Por exemplo, no blog Força para viver, encontramos a seguinte justificativa do articulista, diante da recente tragédia no Haiti.
Precisamos lembrar que as catástrofes naturais se dão dentro do conhecimento de Deus, mas também se dão por questões naturais e de criação. Ainda continuam as acomodações geológicas em várias partes do mundo, o que faz surgir desastres naturais. Deus ao criar a terra o fez dentro de princípios que promovem o bem-estar do homem, mas também o fez dentro de leis naturais que o homem convive durante séculos. Em nada podemos culpar Deus por aquilo que aconteceu no Haiti. Vale lembrar que o mal, muitas vezes, advém do bem. Um exemplo simples dá para entendermos a afirmativa anterior: ”a água é um bem inestimável para o ser humano, mas pessoas morrem afogadas”. Dentro dos princípios que Deus criou para o habitat do homem existem variáveis que interferem e são normais no bom andamento da criação.
Em algumas seitas também encontramos o desenvolvimento desse pensamento dualista. Por exemplo, David Brandt Berg, conhecido líder da seita religiosa “Os meninos de Deus” afirma que Deus só tem planos de paz e prosperidade para os seus filhos e que Satanás, o príncipe da potestade do ar é que é o responsável por estes desastres.
Não obstante esta oposição, a revelação das Escrituras fornece elementos suficientes para crermos que Deus controla todas as coisas, segundo a sua eterna sabedoria colocada em ação no seu agir providencial.
Assim, devemos lembrar que Deus, através do seu governo soberano, providencialmente dirige todas as enchentes, terremotos, tsunamis e quaisquer outros elementos para fazer com que os eleitos sejam despertados e desistam de pecar e os ímpios sejam endurecidos.
E tudo isto Deus faz de tal forma que não podemos negar a existência de uma relação íntima entre o decreto, a providência e a manifestação do seu juízo.
3. OS JUÍZOS ATRAVÉS DOS ELEMENTOS DA NATUREZA – CASTIGOS POSITIVOS E CASTIGOS NATURAIS
Junto dessa discussão devemos tratar de outra questão importante. Como analisar estes juízos com o conceito de castigos positivos e castigos naturais de Deus?
Devemos lembrar que a teologia trabalha com duas terminologias importantes, a saber, os castigos naturais e os castigos positivos. Os castigos naturais são aqueles que o homem não se livra nem pelo arrependimento e nem pelo perdão divino, enquanto os castigos positivos são uma ação positiva do Santo Legislador contra o pecador.
Num primeiro momento creio que podemos anuir às duas possibilidades, ou seja, estas manifestações do juízo de Deus através dos elementos da natureza podem ser vistas tanto como castigos naturais quanto como castigos positivos. Há casos nas Escrituras em que o aspecto dos castigos positivos está mais evidente. Esse parece, por exemplo, ser o caso de Sodoma e Gomorra. Numa das referências que precede o juízo de Deus, através do fogo e do enxofre – elementos da natureza - a ação de um Deus justo contra uma impiedade específica é declarada: Gênesis 18.20 “Disse mais o SENHOR: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito.”. Deste modo, percebemos que há uma ação direta de Deus sendo articulada contra aquelas cidades e o resultado desta realidade é mais claramente declarado quando a sentença é proferida: Gênesis 19.24 “Então, fez o SENHOR chover enxofre e fogo, da parte do SENHOR, sobre Sodoma e Gomorra.”.
Não obstante, entendemos também que a corrupção a que toda criação ficou sujeita acaba precipitando determinadas catástrofes, que podem ser vistas como castigos naturais, que em última análise sempre são expressões do juízo de Deus contra o pecado.
Contudo a abordagem desse tema segue com suas dificuldades, mas algumas contribuições são importantes.
Sobre essa questão Cheung declara:
devemos nos assegurar de que conhecemos realmente o que a Bíblia ensina e evitarmos ir além do que ela diz em nossa interpretação. Para ilustrar: os amigos de Jó, que tentaram confortá-lo, terminaram confundindo e até mesmo difamando seu caráter, pois interpretaram incorretamente o motivo para aqueles desastres terem caído sobre Jó. A Bíblia não diz que os desastres sempre ocorrem como castigos divinos ou porque as vítimas pecaram. Lembre-se de João 9, onde Jesus e seus discípulos se depararam com um homem cego de nascença. Os discípulos enunciaram sua suposição ao perguntarem: “Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”. Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele”.
Contudo, o próprio Cheung também diz que devemos evitar o extremo de afirmar, por outro lado, que não há propósito divino nestas ações punitivas.
Por outro lado, quem insiste que certo desastre no qual muitas pessoas pereceram não ocorreu como juízo divino comete o mesmo erro, apenas na direção oposta. Eles alegam conhecer a mente de Deus numa proporção maior que a declarada na Escritura. Quanto ao que rejeita a idéia da retribuição divina por meio de acidentes naturais e de desastres “realizados pelo homem”, e da morte de milhares de pessoas no processo, seu problema é incredulidade na Bíblia, e por isso, deve ser abertamente confrontado e refutado nesse ponto. Uma coisa é debater se determinado desastre é juízo de Deus ou não, em que sentido ele é juízo divino, ou se o juízo é a principal razão, mas rejeitar esse conceito de imediato é puro preconceito.
Acredito que a primeira afirmação de Cheung de que não podemos declarar que todos os desastres são sempre castigos divinos não deva ser vista como uma tentativa de negar o governo soberano e providencial de Deus. Sua preocupação repousa essencialmente sobre a nossa incapacidade em determinar as razões exatas pelas quais Deus faz o que faz. Contudo, ele mesmo reconhece, na sequência da sua argumentação, que nossa incapacidade não deve servir como argumento para negar a existência de tal propósito divino.
Não seria prudente, portanto, apontarmos as razões, as sucessões e as conclusões que pertencem exclusivamente à mente divina, por serem essas realidades sobre-humanas, mas também não seria correto acreditar que um destino cego, surdo e mudo seja o responsável por determinadas tragédias que afligem o mundo. Sempre há um propósito divino em todas as manifestações do seu juízo, inclusive quando as tragédias nos parecem muito chocantes. Deus é a força última por trás de todos os movimentos da história.
Assim, ainda que tenhamos dificuldade em identificar o problema específico que tenha precipitado o juízo divino, numa determinada situação, não podemos negar a realidade de um propósito que, em muitos casos, está associado a manifestação do seu juízo. Crer que alguns males são gratuitos e sem propósito é o mesmo que negar o senhorio de Deus sobre toda a história.
Pesa ainda, nesta mesma linha de argumentação, a razão da nossa segurança em Deus. Como poderíamos descansar em Deus se estas tragédias não fossem governadas por Ele? Como poderíamos saber, de fato, que todas as coisas cooperam para o nosso próprio bem se Deus não estiver por detrás de cada uma das coisas que acontecem?
Todos os desastres naturais, portanto, são castigos de Deus. Eles podem ser naturais, como no caso de alguém que escolhe habitar numa região de risco e no tempo da chuva vê sua casa soterrada, ou podem ser positivos, como no caso do exemplo bíblico de Sodoma e Gomorra, que foram visitadas pela ira de Deus que viu o pecado daquele povo. Mas sempre estarão sob o controle justo de Deus.
4. AS RETRIBUIÇÕES PROVIDENCIAIS DE DEUS COMO MANIFESTAÇÕES DOS SEUS JUÍZOS PARCIAIS – EXEMPLOS DA HISTÓRIA BÍBLICA
4.1 DEUS, A FONTE DAS CALAMIDADES
Antes de analisar exemplos específicos vale ressaltar a declaração do profeta Isaías que diz: Isaías 29:6 “Do SENHOR dos Exércitos vem o castigo com trovões, com terremotos, grande estrondo, tufão de vento, tempestade e chamas devoradoras.”. Aqui o profeta identifica claramente o Senhor como a fonte de calamidades naturais e isso para castigo. Calvino argumenta que de certo modo devemos descansar na certeza de que seremos afligidos por estas coisas somente ate onde Deus quiser que assim suceda.
Dentro desta perspectiva encontramos nas Escrituras Sagradas alguns exemplos de manifestações dos juízos parciais de Deus através dos elementos da natureza. Estes exemplos serão considerados a seguir:
4.2 EXEMPLOS DO ANTIGO TESTAMENTO
4.2.1 O Dilúvio
O primeiro registro histórico que encontramos nas Escrituras sobre a manifestação de juízos parciais de Deus através de elementos da natureza é a narrativa do Dilúvio. Segundo as Escrituras, por ter Deus visto a corrupção do homem resolveu visitá-lo com ira, conforme o registro de Gênesis 6.13 “Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra.”. Primeiramente, observamos a deliberação divina de dar cabo de toda carne e, mais adiante no texto, encontramos o Senhor declarando a forma deste juízo. No verso 17 ele declara: Gênesis 6:17 “Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá.”. Matthew Henry, ao analisar este texto que identifica Deus como o causador destes males naturais, que trouxeram juízo, declara:
Particularmente Deus falou que destruiria mundo por uma inundação de águas (...). Ele poderia ter destruído todo gênero humano pela espada de um anjo, uma espada flamejante que viria sobre todo o mundo, como fez quando destruiu os primogênitos dos egípcios e o acampamento dos assírios (...) mas Deus escolheu fazer isto por uma inundação de águas que deveriam submergir o mundo. Não podemos estar seguros quanto às razões, mas Deus tem muitas setas (...) e ele pode escolher a vara com que corrigirá os seus filhos.
Observe que o comentário supracitado, aludindo ao texto bíblico de Gênesis 6.13, identifica Deus como o sujeito da ação e os elementos da natureza como os instrumentos utilizados pela livre vontade de Deus para exercer o seu juízo. Portanto, não é difícil concluir que as águas foram instrumentos do que chamamos aqui de juízos parciais de Deus através dos elementos da natureza.
4.2.2 O Exemplo De Elias
Outro momento marcante na história do Antigo Testamento se deu durante o ministério do profeta Elias.
Elias declarou que não choveria sobre a terra durante três anos e seis meses, conforme o registro de 1 Reis 17.1: “Então, Elias, o tesbita, dos moradores de Gileade, disse a Acabe: Tão certo como vive o SENHOR, Deus de Israel, perante cuja face estou, nem orvalho nem chuva haverá nestes anos, segundo a minha palavra.”.
O anúncio desse evento natural, como uma forma de manifestação do juízo divino, foi tratado por A. W. Pink, no livro La Vida de Elias, nos seguintes termos:
Durante o reinado de vários reis, Israel havia escarnecido e desafiado a Jeová sem que se houvesse produzido consequências terríveis; por isso, chegou a prevalecer a idéia de que o Senhor não existia na realidade (...).
Ainda que Deus, por suas próprias razões, tenha suportado com muita mansidão os vasos de ira preparados para a morte (Rm. 9.22), não obstante as provas suficientes e claras, através do curso da história humana, de que Ele é ainda hoje o governador dos ímpios e o vingador do pecado. Então, a Israel foi dada tal prova. Apesar da paz e da prosperidade de que havia desfrutado o reino por tanto tempo, o Senhor estava grandemente irado pela forma grosseira com a qual havia sido insultado publicamente e havia chegado a hora de Deus castigar severamente a seu povo desgarrado. Como consequência enviou Elias a anunciar a Acabe a natureza e duração do açoite. Note-se devidamente que o profeta foi com sua mensagem terrível, não ao povo mas ao rei, a cabeça responsável, e que tinha em sua mão o poder de retificar o que estava mal.
Quando Pink fala sobre a natureza do açoite percebemos sua compreensão de que Deus utiliza elementos da natureza como forma de manifestação dos seus juízos parciais. Ao fechar os céus, de modo que não viesse chuva sobre Israel, Deus se valia de meios para executar o seu juízo.
Contudo é importante observar que a oração de Elias não foi um pedido aleatório, ele tinha um fundamento. Quando Elias orou para que não chovesse sobre a terra, na condição de profeta, ele sabia das exortações que o Senhor fizera a Israel no passado. Sua oração considerava, portanto, as ameaças que Deus havia feito ao seu próprio povo de Israel. Em Deuteronômio 11:16-17 há uma declaração muito séria sobre o juízo de Deus diante do pecado de Israel:
Guardai-vos não suceda que o vosso coração se engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos prostreis perante eles; que a ira do SENHOR se acenda contra vós outros, e feche ele os céus, e não haja chuva, e a terra não dê a sua messe, e cedo sejais eliminados da boa terra que o SENHOR vos dá.
A oração de Elias estava amparada na própria Palavra do Senhor. Ele não pediu o que achava melhor, mas aquilo que combinava com a revelação da vontade de Deus. Deste modo era Deus quem manifestava o seu juízo e não apenas o profeta que revelava a sua indignação diante da maldade do povo.
4.3 EXEMPLOS DO NOVO TESTAMENTO
4.3.1 O Sermão do Monte
Mateus 24:7 “Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares;”
Esta declaração é feita num contexto muito especial. No sermão do Monte Jesus está tratando das coisas referentes aos últimos dias. Ele descreve a grande tribulação, o arrebatamento e outros elementos próprios daquele período. E dentre esses sinais dos últimos dias ele fala sobre terremotos. Ora, se os terremotos são elementos da natureza e ao mesmo tempo sinas dos últimos dias, segue-se que eles são controlados por Deus e serão instrumentos de manifestação do seu juízo.
4.3.2 Jesus acalma uma tempestade
No Novo Testamento não encontramos muitos exemplos relacionados ao tema em questão, contudo, é clara a idéia de que Deus domina sobre os elementos da natureza e, quando ele faz isso, ele opera crescimento e despertamento espiritual.
Uma das passagens mais significativas das Escrituras é o registro de Mateus 8:27, onde se lê: “E maravilharam-se os homens, dizendo: Quem é este que até os ventos e o mar” lhe obedecem?” . Ao repreender os ventos e o mar, acalmando aquela tempestade, Jesus mostrou seu poder em controlar a força dos ventos, ensejando assim o crescimento espiritual dos seus discípulos. Ao comentar esse texto John Gill afirma que ao revelar o seu poder sobre aquela tempestade Jesus se revelou como o Deus Todo Poderoso, alguém revestido de um brilho de majestade e de poder divino.
Deste modo entendemos que os exemplos bíblicos nos dão a segurança que precisamos para reconhecer que os males, chamados por muitos de naturais, acontecem sob o governo soberano e providencial de Deus. Ainda que nossa mente não possa alcançar e identificar todos os detalhes do propósito divino, ela, orientada pelas Escrituras Sagradas, não tem como negar a ação de Deus no meio das tragédias.
Exemplos como o de Noé, Elias e outros nos ajudam a entender que é perfeitamente normal esperar que Deus execute juízos parciais através dos elementos da natureza.
CONCLUSÃO
Não há como negar o controle absoluto de Deus sobre todas as coisas. No exercício da sua providência ele faz com que todos os termos do seu Decreto sejam cumpridos. E, se não cremos desta maneira, não temos como sustentar a idéia de um Deus soberano que governa, com segurança, todas as coisas para o fim que ele mesmo determinou.
Assim, desde que o pecado entrou no mundo cremos que Deus tem manifestado a sua ira contra toda a impiedade e muitas vezes ele faz isso através do uso de meios, ou seja, mediatamente. E, dentre esses meios, estão os elementos da natureza usados como instrumentos de manifestação da sua justiça.
A geração de Noé e os contemporâneos de Elias, especialmente, puderam contemplar o poder de Deus exercido sobre toda a criação. Eles puderam testificar o que, posteriormente, foi sustentado pelo profeta Isaías que declarou: Isaías 29:6 “Do SENHOR dos Exércitos vem o castigo com trovões, com terremotos, grande estrondo, tufão de vento, tempestade e chamas devoradoras.”.
Deste modo concluímos nosso trabalho na certeza de que o Senhor domina sobre tudo e sobre todos. Sobre os homens, sobre os céus, sobre a terra, enfim, sobre toda a sua criação, conduzindo todas as coisas para o cumprimento do seu propósito preordenado na eternidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Confissão de Fé, o Catecismo Maior, o Breve Catecismo. 1. ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991. 451p.
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